Ações Rescisórias – União quer cancelar créditos obtidos pelo contribuinte que se vale da ‘tese do século’ – tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS

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Conhecida como “Tese do Século”, a discussão judicial entre contribuintes e União sobre a possibilidade de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS, objeto do Tema 69 de Repercussão Geral RE nº 574.706, ganhou um novo capítulo nos tempos recentes.

Isto porque, fixada a tese, sobreveio a modulação dos efeitos realizada pelo STF e a definição do marco temporal para a aplicação da desoneração.

Aproveitando-se deste marco temporal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional tem ajuizado ações rescisórias em face dos contribuintes que propuseram ações questionando exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS após 15.03.2017, como forma de cancelar créditos obtidos com a exclusão. O tema é espinhoso e vamos explicar melhor nas linhas a seguir.

Convém rememorar que em maio de 2021, quando concluíram o julgamento da “tese do século”, os ministros do Supremo Tribunal Federal limitaram os efeitos do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, de 15 de março de 2017, em face dos embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional.

Ao julgar estes embargos em 2021, o STF concluiu que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é todo aquele destacado na nota fiscal da operação de venda, e não apenas o efetivamente recolhido.

O STF definiu, ainda, a modulação dos efeitos da decisão, utilizando como data-base o julgamento de mérito, ou seja, 15 de março de 2017. A data foi definida como limite pelo STF para a propositura de ações que visem a recuperação dos valores recolhidos indevidamente nos cinco anos anteriores à propositura da lide. Para ações propostas após a data, a possibilidade de recuperação fica limitada a 16.03.2017 em diante.

Vale destacar também que foram criadas situações diferentes em relação à recuperação de valores pagos a mais no passado, antes da data-base. No entendimento do STF, o contribuinte com ações em curso até o dia 15 de março de 2017 tem direito à restituição integral. Isso quer dizer que a aferição dos créditos retroage até cinco anos antes do ajuizamento da ação.

Para quem ingressou com ação após esta data, a regra muda. Tomemos como exemplo uma empresa que entrou com o processo em 2018. Nesta situação, o contribuinte tem direito a recuperar somente o que pagou de forma indevida desde 2017.

Passado o histórico já bem conhecido, ingressamos agora no tema que está tirando o sono dos contribuintes, em especial das empresas que ajuizaram ações depois da data-base, ou seja, 15 de março de 2017, e obtiveram na Justiça decisão que lhes garante o direito de devolução dos valores integrais que pagaram a mais à União.

Para facilitar a compreensão, vale trazer à baila o caso de uma empresa que atua no setor automotivo que obteve aproximadamente R$ 50 milhões de reais em créditos garantidos pela Justiça. Há poucas semanas, esta empresa foi surpreendida com o ajuizamento de uma ação rescisória pela União Federal que, além de rediscutir o processo, pretende reduzir pela metade os créditos conferidos judicialmente ao contribuinte.

Para quem não tem familiaridade com o ramo do Direito, vale uma breve explicação sobre a natureza e os efeitos da ação rescisória, para tanto, pedimos uma breve licença.

Com efeito, a ação rescisória pode ser ajuizada dentro do prazo fatal de dois anos do encerramento do processo, o famoso trânsito em julgado. Isso é o que consignam os artigos 966 e seguintes do Código de Processo Civil.

Esta ação é uma medida judicial autônoma cujo objetivo é rescindir uma decisão judicial que tenha transitado em julgado, ou seja, cuja lide já tenha sido encerrada a partir de sentença do juiz, sem possibilidade de recursos.

Seu escopo é bem delimitado pela legislação processual, de modo que uma decisão de mérito, transitada em julgado, só pode ser rescindida quando: I – se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II – for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; III – resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV – ofender a coisa julgada; V – violar manifestamente norma jurídica; VI – for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; VII – obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII – for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

No caso da empresa do ramo automotivo, a ação foi proposta em segredo de Justiça e um dia antes do prazo final no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).

No caso em comento, a empresa ingressou com ação judicial no dia 30 de março de 2017, ou seja, 15 dias após a fixação da data-base para a modulação de efeitos do RE nº 574.706/PR. A decisão definitiva da Justiça sobre a utilização dos créditos, no entanto, foi dada ao contribuinte antes de o STF impor a limitação.

Este caso é realmente exemplar e merece ser estudado a fundo. A situação exposta demonstra que a modulação de efeitos não pode impactar decisões definitivas, ainda mais quando não há mudança de posicionamento, tampouco alteração do mérito por parte do STF.

Vale refletir que, de março de 2017 a maio de 2021, muitas empresas que ingressaram com ações depois de março de 2017 já haviam se beneficiado com decisões finais, transitadas em julgado. Por serem anteriores, estas decisões individuais não trazem a limitação de tempo.

O quadro é grave e traz muita insegurança jurídica aos contribuintes que se veem nesta situação. Em 2021, a União obteve pelo menos duas decisões liminares para suspender os efeitos de decisões transitadas em julgado que favoreciam os contribuintes. Estes contribuintes se viram impedidos de utilizar seus créditos e ainda estão na iminência de ter que repor aos cofres públicos recursos legitimamente a eles conferidos.

Em resumo do que explicamos até aqui, o que a União pretende obter nas ações rescisórias é a rescisão da coisa julgada obtida pelos contribuintes e a prolação de nova decisão, que estabeleça o período para a restituição dos valores de acordo com o marco temporal estabelecido pelo STF, reduzindo, assim, os créditos já obtidos.

Nesse caso, por haver desconstituição da coisa julgada, deixará de existir a decisão que deu base para o pedido de PER/DCOMP apresentado pelo contribuinte e deve a Receita Federal rejeitar a homologação (confirmação) dos créditos relativos a períodos anteriores a 16.03.2017, de forma que os débitos que seriam compensados não serão extintos.

Por consequência, a Receita Federal deve cobrar os débitos indevidamente compensados, somados à multa de mora de até 20% (art. 61 da Lei n. 9.430/1996) e juros SELIC (art. 13 da Lei n. 8.981/1995).

Além disso, deve aplicar multa de 50% sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação que não foi homologada, nos termos do art. 74, § 17, Lei 9.430/1996.

Ainda, há que se mencionar a possível condenação aos honorários sucumbenciais, já que o “proveito econômico” da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuintes costuma ser bastante relevante para a empresa.

De fato, a condenação dos contribuintes em honorários sucumbenciais não seria razoável nessa situação, e implicaria em admitir que o contribuinte fosse penalizado por ter adotado uma conduta autorizada por ação judicial transitada em julgado.

Na prática, não existe nenhum dispositivo do código processual que preveja cabimento de rescisória frente à coisa julgada formada em desacordo com uma posterior modulação dos efeitos de decisão proferida pelo STF. Esta possibilidade não está elencada no rol do artigo 966, do CPC.

Também pesa para a defesa do não cabimento da rescisória o entendimento do próprio STF, no julgamento Tema 136 de repercussão geral: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente”.

Alguns julgados do TRF4 e do TRF5 tiveram concordância com a tese jurídica da União, a exemplo da que juntamos abaixo, in verbis:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. CABIMENTO. PIS E COFINS. BASE DE CÁLCULO. EXCLUSÃO DO ICMS. RE 574.706. TEMA 69. MODULAÇÃO DE EFEITOS. 1. É cabível o manejo de ação rescisória, desde que observados os prazos legais, para adequar acórdão ao entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Repercussão Geral. 2. Em sede de embargos de declaração, o STF modulou os efeitos do julgado exarado no RE 574.706 estabelecendo que a exclusão do ICMS destacado em notas fiscais da base de cálculo do PIS e da COFINS tem efeitos a partir de 15/03/2017, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento. 3. Ação rescisória julgada procedente para adequar o acórdão deste Tribunal à modulação de efeitos em questão. (ARS 5046194-86.2021.4.04.0000).

Em conclusão, trata-se de mais um exemplo de que, no Brasil, até o passado é incerto e que os contribuintes, mesmo agindo de boa-fé e em cumprimento às leis e às normas jurídicas, estão na mira da União, que tenta, de mais uma forma, reduzir os impactos da “Tese do Século”.

Caso você, leitor, esteja enquadrado na situação demonstrada aqui e queira receber orientações, procure um advogado tributarista especializado.  

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